quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Os efeitos da poluição do ar

A licitação ambiental de uma usina termoelétrica se torna delicada quando se analisa a quantidade de precursores de ozônio por ela emitida. Por isso, costuma-se instalar tais geradoras de energia em bacias aéreas não-saturadas. Isso evita um problema, mas há outro muito mais grave. Apenas na cidade de São Paulo, onde são licenciados 1 mil carros por dia, são lançados a cada três meses precursores de ozônio em quantidade equivalente a de um ano de funcionamento de uma termoelétrica. Não por coincidência, na cidade, a bacia aérea está saturada. Por esses e outros motivos a poluição na capital paulista, pelo menos para pesquisadores como Paulo Saldiva, é um claro problema de saúde pública. Há mais de 30 anos estudando o assunto, ele defende que a poluição seja tratada a partir de uma rede multidisciplinar de pesquisadores, como meteorologistas, físicos, químicos, biólogos, cientistas sociais, arquitetos, médicos e muitos outros.Dentro do grande sistema formado pela poluição o pesquisador aponta, em entrevista à Agência FAPESP, os principais caminhos que podem ser seguidos. No Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da FMUSP vários deles estão sendo experimentados. O foco, desde o epidemiológico até o celular, é o ser humano e o ar que ele respira. “Ficamos no mundo real”, explica o pesquisador. O que não significa que outras linhas de pesquisa sejam mais ou menos importantes. Para chegar aos objetivos perseguidos, até plantas são usadas como ferramentas – uma das linhas de pesquisa de que Saldiva, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), gosta bastante.Ciente do problema real que representa o ar que se respira em São Paulo, o médico optou por trocar o carro pela bicicleta. “A chave do automóvel está definitivamente com os meus filhos”, assegura Saldiva, que chegou pedalando do almoço para a entrevista em seu laboratório.A população de SP tem uma percepção correta do problema que é respirar o ar da cidade?Ao perguntar para um paulistano o que ele acha do ar da cidade, todos vão dizer que está ruim. O que ele talvez não saiba é a magnitude. O morador de São Paulo sabe da poluição, e isso é mérito, também, da atuação científica desse laboratório.O automóvel é o principal vilão?A pergunta principal é a seguinte: houve motivação para que se fizesse um planejamento adequado, sabendo-se dessa situação negativa? A resposta, claro, é não. Imagine que eu inventasse um triciclo em forma de ovo, com três rodas e movido a corda, com uma velocidade de 15 km/h, que é quanto um carro anda na cidade em média por causa do trânsito. Ninguém iria comprar. O automóvel, como se conhece hoje, tem uma série de gostos embutidos.Quer dizer que não adianta diminuir a circulação de automóveis na cidade?A questão não é apenas essa. Além do aspecto individual, do querer andar de carro, existe um absoluto descaso com o sistema de transporte público da cidade. Limitar o uso do transporte individual é o mesmo que tentar diminuir o uso de seguro-saúde. As pessoas pagam para se defender da saúde pública ruim. O mesmo vale para a educação, para a segurança. Imagine chegar alguém e dizer que vai limitar o uso do vigia do seu prédio, por exemplo.A inspeção veicular que o governo pretende fazer em breve é uma solução?A cidade de São Paulo tem 6 milhões de veículos e se coloca como principal alternativa a inspeção. Não deixa de ser útil, mas para mim não seria a primeira opção em termos de custo-benefício. Ela é colocada como primeira da lista, pois vai permitir uma grande arrecadação. O argumento econômico sempre toma conta do processo, enquanto o principal deveria ser o de termos uma cidade mais limpa.Qual seria a primeira ação a ser feita?Os grandes problemas em São Paulo – e quase que no mundo inteiro – são o ozônio e o material particulado. Respectivamente 80% e 40% dos precursores desses dois poluentes derivam da frota a diesel. A primeira atitude, portanto, seria mexer na poluição causada pela queima do diesel. O problema é ainda maior pelo fato de a nossa frota ser muito antiga. Cerca de 60% dela, em termos de caminhões, é anterior à década de 1990. O chamado diesel limpo, lançado aqui pela Petrobras, é dez vezes mais sujo do que o da Europa e o dos Estados Unidos. A questão é que a companhia quer fazer um diesel mais limpo, pois do contrário não conseguirá exportar. Em três anos, mais ou menos, o investimento para se fazer o novo diesel seria amortizado, apenas com a redução de gastos com saúde.Que outras iniciativas seriam bem-vindas?Um programa que permitisse a melhoria dos transportes públicos. Ou a adoção de veículos limpos. Existe uma série de medidas que podem ser implementadas, como a conversão para o gás natural, biodiesel ou etanol. O problema é que exigem investimento por parte do governo e das montadoras, resultando em maiores gastos para o consumidor. Esse é um problema central, pois em uma medida como a inspeção veicular o investimento do governo é substituído por receita. Mas é preciso que se faça um planejamento de utilização de energia no espaço urbano com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população, e não baseado apenas na captação de recursos econômicos.Com base nas pesquisas desenvolvidas, quais são as certezas que podemos ter sobre a poluição atmosférica em termos de saúde?Ela é indiscutível. A poluição é um problema de saúde pública. No caso de São Paulo, é importante dizer que ela está melhorando em alguns aspectos. Em termos de monóxido de carbono, enxofre ou chumbo, os índices estão melhores. E isso tudo foi conquistado por causa do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE). Ao mesmo tempo, os estudos mostram que, se o problema do diesel não for atacado, em três ou quatro anos todo esse ganho ambiental obtido com os catalisadores será comido.E as motocicletas, qual o papel que elas desempenham em termos de qualidade do ar?A moto emite muito mais do que um carro novo, até vinte 20 vezes mais. E, como na cidade de São Paulo ela roda muito mais, esse quadro é ainda pior. Enquanto um carro roda em média 30 km/dia, as motos de entrega percorrem até 180 km. No final, uma moto pode poluir tanto quanto 120 carros. Por isso é importante que exista, e parece que agora isso vai começar de forma mais efetiva, um programa de controle para as motocicletas.Em termos de impacto sobre o ser humano, quais são as certezas?Para exemplificar, vamos pegar os efeitos do cigarro e dividir por seis ou oito vezes. Um maço fumado por dia, dividido por seis, resulta no impacto da poluição de São Paulo sobre cada habitante. Isso significa maior risco de desenvolver bronquite crônica, agravamento das crises de asmas e de doenças cardiovasculares, menor peso ao nascer, maior chance de abortamento e redução discreta da expectativa de vida.E o que falta saber?O que não sabemos ainda são os componentes químicos realmente tóxicos e quais os seus mecanismos de ação dentro do corpo humano. Isso é fundamental para que se possa desenhar uma estratégia de redução do problema. Também precisamos saber ainda quais são as fontes que emitem partículas com maior toxicidade, que causam maior lesão.São essas as respostas que estão sendo buscadas agora?Exatamente. Mas já temos alguns candidatos. Os metais transacionais, aqueles que têm mais de um estado de valência, por exemplo. Metal é fácil de produzir, mas muito difícil se livrar dele. Fomos preparados para comer metal, mas não para inalar. O nosso sistema respiratório não foi desenhado para respirar metal. Existem muitas pistas de que os metais são importantes, assim como alguns tipos de hidrocarboneto. Os mecanismos também são importantes para que o médico possa agir mais. No Instituto do Coração, de cada 100 consultas no pronto-socorro, 12 são atribuídas à poluição do ar. De 5% a 6% das mortes naturais de idosos são aceleradas pela poluição. Isso é muito. E o que podemos fazer? Parar de respirar? Comprar ar limpo, engarrafado?E quais são os resultados já disponíveis sobre a relação entre poluição do ar e câncer?O que se sabe hoje em termos epidemiológicos é que o risco de ter câncer de pulmão morando numa cidade como São Paulo é 10% maior do que em outro local. Em termos gerais, quando calculo que de 5% a 10% das pessoas morrem de causa naturais na cidade por causa da poluição, e como morrem por dia umas 110, temos 10 mortes diárias causadas pelos poluentes do ar.Um índice assustador.Imagine se fosse criado um meio de transporte não-poluidor, um capacete teletransportador, por exemplo. Com certeza todos ficariam felizes e premiariam o inventor. Mas vamos supor ainda que, quando fosse receber a distinção, ele revelasse que a máquina é movida a carne humana, que consome dez pessoas por dia. Ele certamente seria preso. Mas o mesmo não ocorre com os carros, todo mundo aceita.Estamos, então, diante de um problema essencialmente cultural?É claro que é uma questão cultural. Acredito que programas competentes de educação ambiental poderiam adotar atitudes diferentes. Mas isso com as crianças. A minha geração está perdida, mas não a próxima.

Um comentário:

:) disse...

é verdade...
isso da poluição do ar ta um caso sério.
ah,interessante o caso da China, onde as pessoas adoram andar de bicicleta e no entanto é o 2° país que + polui. Contradição?!